Apesar de toda a fala envolvente de
John, Cory fez exatamente o que disse que faria. Terminou sua bebida e logo se
despediu, encaminhando-se para a porta.
_Bem, obrigado pela bebida, e, o que
for que vocês estavam fazendo aqui dentro, vai ficar aqui dentro – Disse Cory,
enquanto caminhava de forma evasiva, saindo da taverna. – Cuidem-se
cavalheiros!
_Cuide-se você rapaz. E não se preocupe
com suas palavras. Ninguém vai sentir pena desses porcos. – Disse Gill,
sorrindo.
Nesse momento Cory deu as costas e
alcançou a porta, e simultaneamente alguns homens olharam para John Gill de
maneira a esperar alguma ordem. Ficaram a postos e preparados, porém Gill
apenas levantou uma das mãos para os homens, tranquilamente, fazendo com que
ficassem calmos novamente. Quando Cory saiu, passou por John Carty, o guarda
que ficou olhando-o surpreso. Cory saiu tranquilamente, com as mãos nos
suspensórios. Normalmente os Filhos da Liberdade não recebiam visitas desse
tipo, e muito menos elas iam embora dessa forma.
Cory sabia que era hora de ajudar seu
pai no serviço, pois se não estivesse lá, era capaz do velho beber mais licor
do que conseguisse produzir, e isso era bem possível, tratando-se do velho. Os
fortes licores dos McLaughlin eram famosos por seu sabor que lembrava muito o gosto
de cada fruta. O licor de maçã, por exemplo, causava a sensação, para quem
bebia, de estar tomando o próprio suco da maçã, porém forte e viscoso. Já, no
entanto, não descia de maneira suave como as bebidas de melhor qualidade. Por
isso eles faziam algum sucesso somente entre um pequeno grupo de bêbados e
mercadores. Havia apenas um dono de estalagem que comprava os licores
McLaughlin. Também não era o tipo de bebida para pedir repetição ao taverneiro.
Normalmente depois do primeiro copo, a pessoa escolhia algo mais suave.
Cory morava na “Water Street”, onde
havia um grande conjunto habitacional de irlandeses e descendentes desses.
Encontrou seu velho pai no barracão ao lado da casa, com os caldeirões fervendo,
enquanto engarrafava alguns licores. Ao lado havia um quartilho cheio de licor,
no qual ele ia bebendo enquanto trabalhava.
_Hey! Não beba todo o licor!
_Ah, pro abismo, garoto! Quer ensinar
seu velho a pai a trabalhar?
Os dois deram uma gargalhada. Cory deu
um tapinha nas costas do velho e logo se pôs a ajudar nas tarefas. Já havia
passado das quatro da tarde quando terminaram de engarrafar o licor que seria
vendido. Então Cory colou as garrafas em uma espécie de mochila, cujo
revestimento continha separações, para não deixar que as garrafas batessem uma
na outra. Colocou a sacola nas costas e partiu para a cidade novamente para
vender o licor que acabara de engarrafar. Os McLaughlin deixavam os licores em
barris, até curtirem e ficarem ideais para o consumo – por mais que beber
aquilo estivesse meio longe da palavra “ideal”.
Andou até o fim da Water, cruzou a
Malborough e foi até a esquina que dava de encontro com a Treamount. Essa rua,
se seguida em direção Norte, poderia levar até a King Street, ou reto até o
Cemitério Público, o mais conhecido. Levou alguns minutos a mais, do que
levaria apenas caminhando. Apesar de ser um caminho curto, parava para vender o
licor em algumas casas. Eram os compradores de longa data e um deles, um
vendedor ambulante que comprava algumas garrafas a mais e revendia ao sul. Tomavam
mais tempo do que Cory gostaria. Parou no meio do caminho para acender seu
cachimbo, porém alguém passou correndo trombando em seu braço, fazendo-o
derrubar o fumo.
_Ei seu maldito! – Gritou Cory,
enfurecido.
_Me desculpe! – Respondeu o homem que
lhe trombara. – É que está acontecendo algo ali na Treamount! Vamos ver!
O homem continuou sua corrida. Cory se abaixou
para pegar o fumo que caíra e continuou preparando o cachimbo. Dessa vez foi
mais cuidadoso, escorando-se no muro, enquanto olhava para as pessoas que
corriam apressadas para presenciar o acontecimento. Só depois de dar as
primeiras puxadas e sair a fumaça, continuou seu caminho, que iria dar na
Treamount. Não estava com muita pressa, apesar da curiosidade que começava a
crescer.
![]() |
Gravura dos caixões dos primeiros quatro que morreram no massacre, feita por Paul Revere |
Quando atingiu a esquina se surpreendeu
com o movimento que acontecia. O povo gritava e acompanhava das calçadas, uma
marcha que vinha de longe seguindo a rua e que trazia muitas pessoas. Pouco a
pouco, o povo se juntava à marcha. A turba era tão grande que ia até o campo de
visão de Cory. Traziam tambores, repiques e alguns instrumentos de sopro.
Gritavam palavras como, “liberdade” e “justiça”. Alguns também clamavam por
sangue. Não demorou tanto para que o jovem percebesse do que se tratava. Eram
os casacas-vermelhas que estiveram no massacre da noite anterior, e pode reconhecer
que alguns desses eram os mesmos que estavam na taverna mais cedo, com John
Gill e os tais “Filhos da Liberdade”. Algumas pessoas jogavam pedras neles,
outros os xingavam, com variedades de palavrões. Os soldados e, inclusive, seu
comandante Preston Thomas, vinham escoltados por soldados americanos e alguns
milicianos locais. Estavam presos, com as mãos amarradas, e três dos cinco
soldados estavam com as roupas esfoladas e com marcas de socos no rosto. Cory
logo imaginou que eram os mesmos que estavam na taverna. Algumas pessoas que
seguiam a escolta levavam placas com nomes escritos: Samuel Gray, Maverick
Samuel, James Caldwell, Crispus Attucks, e Patrick Carr. Eram os nomes dos civis,
vítimas do massacre da noite anterior. Logo atrás seguiam os caixões,
carregados provavelmente por familiares e amigos das vítimas.
Os soldados britânicos estavam passando
por maus bocados e, provavelmente, a situação só iria piorar. Há dois anos o
rei Jorge III enviara cerca de quatro mil homens a pedido do governador Thomas
Hutchinson, para manter a ordem nas colônias, principalmente em Boston. Ao
contrário do esperado, o povo que já estava irritado com os impostos e as leis
abusivas do governo inglês, acabou por se enfurecer mais ainda. Aí era só uma
questão de tempo para a situação ficasse ainda pior. Se juntasse todas as leis
impostas pelo rei, adicionasse quatro mil homens pelas ruas, marchando e
pressionando os colonos, obrigando-os a alojar esses homens e, por fim,
fervesse tudo com a raiva e indignação do povo, com certeza não haveria um
final agradável. O resultado seria sangrento. As coisas iam mudar, aliás, já
estavam mudando.
“Nada de surpreendente”,
pensou Cory....
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Que seja produtivo! Maldito! hahaha